Imagem Refletida

(Ecos do Passado XIII)

 

Vejam bem! Acreditam nisso? Quem acreditaria, pois, que uma entidade incorpórea, sem carne, sem osso, teria força, seria capaz, de induzir uma pessoa, qualquer pessoa, a amar alguém, voltar a amar alguém. Não! Isso, meus caros, jamais poderia acontecer, mas há quem acredite nessas coisas. Isto é alardeado, divulgado nos postes, nas árvores, nos muros, em tudo que for possível. Nem todas, mas algumas pessoas acreditam ter essa experiência com o passado através de almas mortas. São experiências inacreditáveis, inclusive no campo amoroso, paternal, maternal, entre amigos e amigas, e parentes. Traídos, jamais. Foram poucos os amores em vida, nunca traídos. Trocados, substituídos, talvez, em algumas circunstâncias. Quer dizer quando chegou aquele dramático momento em que não é possível continuar. Relâmpagos, trovões, chuva, de início fina, como uma garoa, e depois mais grossa, tempestuosa, respingando na janela do quarto, trovões e relâmpagos, não teriam sido responsáveis por nada que aconteceu ou poderia ter acontecido de pior.
 
Naquela noite tudo ia bem. Havia um clima  maravilhoso e uma flagrância que levariam a um bom termo a noite que não foi, nem poderia ter sido, planejada, mas que poderia terminar da melhor maneira possível, tomando o café da manhã no quarto, gargalhando e até aos abraços, mas…foi um horror.
 
Aquilo tirou-nos todas as forças e acabou por matar os nossos desejos que sequer tivemos oportunidade de aproveitar. Foi isso. Ficamos um olhando pro outro, paralisados, sem nada o que dizer. Aliás, amigos, impossibilitados de falar alguma coisa com nexo.  Na verdade…quer saber a verdade? Na verdade, naquela noite aconteceu uma coisa extraordinária. Uma terrível novidade. Essa novidade mexeu com todos os nervos, com todos os músculos, com o cérebro e…aconteceu aquilo. A vontade esvaiu-se, desapareceu e ficou sequelas. Uma coisa terrível. Foi um assombro, sabem. A partir daquele momento surgiu um novo mundo, novas condições de vida para todos nós, que afetaram também os amigos.  Vejam, então, que todos ficamos desorientados, porque ninguém em tais circunstâncias saberia de verdade o que fazer. Diria que se perdeu a identidade.
 
É importante esclarecer essa parte da questão, pois todos que nos vêm acompanhando, mesmo que por algum acaso tenham pulado algumas linhas ou tenham se esquecido de ler-nos seguidamente, sem saltar algumas linhas, fechando-se em si mesmos, sabem que nosso conhecimento, o início de nossas relações foram, por assim dizer, quase desprovido de sentido. Não havia nada premeditado, apenas coincidências. Apenas nos víamos ocasionalmente. O que houve foi uma espécie de magnetismo. Uma atração súbita de um pelo outro. Trocamos olhares, sabores momentâneos de empatia pessoal e, provavelmente estimulados pela música do maestro Tom Jobim, de Vinicius de Moraes, aconteceu o que todos já sabem.
 
Conto isso com certa amargura, porque estava sentado num banco de praça, corpo e mente, carne e osso, quando descobri que a noite chegara lentamente. Um vulto, uma imagem distante, olha para trás, e até de lado, como se estive acometido de labirintite, dançando nas nuvens, fazia um esforço tremendo para se aproximar. Dava uns passos pra frente, mas subitamente estancava, acontecia de jogar o corpo levemente para os lados, esforçando-se para desapegar-se, mas nada. Não seguia em frente. Aí, num piscar de olhos, sumiu-se.

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