Você quer mesmo Justiça?

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Há conceitos que são extremamente subjetivos e outros, que são de uma simplicidade tão grande, que assusta.

Vivemos um tempo em que todos clamam por justiça. Mas será que sabem mesmo o que significa justiça? Ou fazem dela um escudo para negar o erro?

A própria Lei de Talião, ou “olho por olho, dente por dente”, já existia na prática 1700 anos antes de Cristo, no Código de Hamurabi e encontra-se claramente em Levítico 24, 19-20:

“Se um homem ferir um compatriota, desfigurando-o, como ele fez, assim se lhe fará: fratura por fratura, olho por olho, dente por dente. O dano que se causa a alguém, assim também se sofrerá.”

Aí está um belo exemplo de fazer justiça. Para o antigo testamento, o homem justo era o que seguia a máxima mosaica e que nela se espelhava.

Trazendo aos dias de hoje, bandido bom seria bandido morto. Quem violenta terá que ser violentado. Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão… e assim vai. Mas é um conceito de justiça. Não se pode negar.

Jesus, quando na Terra veio, fez uma sensível alteração no conceito de justiça, a saber em Mateus 5, 38-42:

“Ouviste o que foi dito: olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te fere na face direita oferece-lhe também a esquerda; e àquele que quer pleitear contigo, para tomar-te a túnica, deixa-lhe também o manto; e se alguém te obriga a andar uma milha, caminha com ele duas. Dá ao que te pede e não voltes as costas ao que te pede emprestado.”

E agora? Que raio de justiça é essa que me tira ainda mais do que eu perdi? Que tribunal idôneo poderia praticar sentenças a partir dessa máxima?

Está claro, então, que Justiça é algo tão pessoal, que quando alguém se arvora em dizer que quer fazer justiça, fico pensando em quem ele põe a culpa e se a sua justiça em questão não poderia ser paga com trinta dinheiros.

Justiça é um conceito tão subjetivo que gera vocábulos hoje depreciativos, tais como “justiceiro” e “justiçamento”. Fala-se em não fazer justiça com as próprias mãos e até já quiseram devolver o Brasil aos índios, em nome da justiça. E nem por isso ela é vista como negativa.

O balaio-de-gatos é tão grande, que numa consulta rápida à Wikipédia, verifiquei que nem as proeminências gregas se ajustam com relação ao conceito. Vejamos:

“Aristóteles definia justiça como sendo uma igualdade proporcional: tratamento igual entre os iguais, e desigual entre os desiguais, na proporção de sua desigualdade. Aristóteles também reconhece que o conceito de justiça é impreciso, sendo muitas vezes definido a contrariu sensu, de acordo com o que entendemos ser injusto – ou seja, reconhecemos com maior facilidade determinada situação como sendo injusta do que uma situação justa.”

Vejamos outro exemplo:

“Para Polemarco a justiça consistia em dar a cada um o que lhe é devido, em fazer o bem aos amigos e o mal aos inimigos. Já Trasímaco, com argumentos contrários a Sócrates, disse que a Justiça é relativa, depende do interesse do mais forte, qual seja o que detém o poder. Algo que depende do interesse de quem governa.”

Fazer bem aos amigos e mal aos inimigos? Justiça depende do interesse do mais forte? Esses caras eram gregos ou brasileiros?

Vamos ler mais:

“Platão reconhecia a justiça como sinônimo de harmonia social, relacionando também esse conceito à ideia de que o justo é aquele que se comporta de acordo com a lei. Em sua obra, A República, Platão defende que o conceito de justiça abrange tanto a dimensão individual quanto coletiva: a justiça é uma relação adequada e harmoniosa entre as partes beligerantes de uma mesma pessoa ou de uma comunidade. Platão associava a justiça aos valores morais.”

E para finalizar:

“Portanto, se alguém disser que a justiça consiste em restituir a cada um aquilo que lhe é devido, e com isso quiser significar que homem justo deve fazer o mal aos inimigos, e bem aos amigos, quem assim falar não é sábio, porquanto não disse a verdade. Portanto, em caso algum nos pareceu que fosse justo fazer mal a alguém” (Sócrates)

Aí estão algumas visões do sentido de justiça, conforme sábias personalidades as conceberam. É algo tão pessoal que tremo nas bases quando ouço o brado “Eu quero justiça!”. É para si ou contra alguém?

… quando alguém se arvora em dizer que quer fazer justiça, fico pensando em quem ele põe a culpa…

Querer um mundo mais justo é o que a maioria clama. Até o pessoal do Estado Islâmico. Afinal justiça para eles é o que eles fazem. Aprenderam assim.

No “Auto da Compadecida”, do grande escritor Ariano Suassuna nos mostra o “Encourado” – personificação do Diabo – querendo fazer justiça enviando João Grilo e os demais personagens direto para o inferno para pagarem por tudo o que fizeram. Aí aparece Manuel – Jesus – permitindo um julgamento justo e estabelecendo o veredito conforme os casos são demonstrados. Mas todo o julgamento recebeu o tempero de Maria (Nossa Senhora), que apesar de conhecedora e apoiadora da justiça, aplicou literalmente o “golpe” de Misericórdia, que tocou o coração de todos e fez todo mundo feliz.

Dizer que quer justiça é simples. Depende do que convém.

Misericórdia não depende de tanta teoria. Explica-se com o coração… Mas é universal!

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