Cristo Redentor, os pioneiros

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(Jorge Cesar Pereira Nunes)

Em abril de 2009 transcorreu o septuagésimo aniversário de uma das mais importantes instituições filantrópicas de São Gonçalo, cuja longevidade só é superada por outra não menos notável organização social, a Instituição Cristã Amor ao Próximo. Falo do Abrigo do Cristo Redentor, que, no dia 20 daquele ano, completou sete décadas de existência durante a qual cerca de cinco mil idosos foram ali acolhidos.

É uma obra que nasceu da inspiração de um homem extraordinário, o bancário Rafael Levy Miranda, que sempre plantava a semente do bem pelos lugares por onde passava no exercício da profissão. Foi assim em Barra Mansa, RJ, e no Nordeste do Brasil, antes de chegar à cidade do Rio de Janeiro e ali criar o Abrigo do Cristo Redentor, de onde se multiplicou em várias instituições pelos Estados do Rio e do Espírito Santo.

Levy era tão carismático que conseguiu impressionar o presidente Getúlio Vargas, este se tornando seu admirador a ponto de chamá-lo de “iluminado”. E foi na inauguração do ACR da então capital da República, na véspera do Natal de 1938, que o interventor federal no RJ, comandante Amaral Peixoto, o convidou a fazer obra semelhante em território fluminense.

A proposta foi imediatamente aceita e, no dia 20 de abril seguinte, realizava-se na Associação Comercial de Niterói a primeira reunião de criação da Obra de Assistência aos Mendigos e Menores Desamparados da Cidade de Niterói, nome original, depois ampliado para o Estado do Rio de Janeiro e finalmente Abrigo do Cristo Redentor.

Constituída a diretoria pelos pioneiros Melchíades Picanço, Oscar Pena Fontenele, Flávio Froes da Cruz, Paulo Alonso, Alberto Fortes, Alberto Fortuna, Adino Xavier, Eurípedes Ribeiro, Alfredo Bahiense e Álvaro Ferreira da Silva Pinto, outros foram colocados no conselho consultivo e fiscal, a saber: Cesar Salamonde, Ataíde Parreiras, Eduardo Machado, João Noronha Santos, Almir Madeira, monsenhor João de Barros Uchoa, João Brasil, Alarico Damásio, Oscar Pereira, Augusto do Amaral Peixoto, Tobias Machado, Arlindo Pinto, Rodolfo Macedo, Luiz Palmier, João Mendonça Sobrinho, Saturnino de Castro, Guaracy Souto Mayor, Otávio Mello, Heitor Matta e Leôncio Brunet Ribeiro. Como presidentes de honra foram escolhidos o interventor Amaral Peixoto, o bispo d. José Pereira Alves, o prefeito Brandão Júnior, o próprio Levy Miranda, o juiz de direito Toledo Piza e o empresário Antônio Saramago.

O que era para Niterói acabou ficando com São Gonçalo. O prefeito Eugênio Sodré Borges sugeriu que o Estado adquirisse a chácara do ex-governador Protógenes Guimarães, na Rua Nilo Peçanha, 320, e foi o que Amaral Peixoto fez. O engenheiro Noronha Santos elaborou o projeto e dezenas de outros pioneiros agregaram-se às comissões patrocinadora, executiva, de cooperadoras e de propaganda, visando a arrecadar fundos.

A mais entusiasmada com a obra era Alzira Vargas do Amaral Peixoto, filha do presidente da República e esposa do interventor federal, que recebeu pleno apoio tanto do pai quanto do marido. Todas as prefeituras fluminenses existentes na época contribuíram financeiramente, enquanto a população ajudava comparecendo aos eventos realizados em São Gonçalo, Niterói, Itaboraí e Petrópolis, o que permitiu a assinatura de contrato, em cinco de abril de 1940, para a construção do abrigo, cujas obras foram iniciadas em cinco de julho seguinte.

Paralelamente, empresas faziam doações em dinheiro, estudantes universitários promoviam bailes, os clubes realizavam festivais de futebol, a Igreja Católica apelava à generosidade dos fiéis nas missas, enfim, era um mutirão que permitiu arrecadar 646 mil e 56 réis em apenas três meses, valor suficiente para custear as obras. Mesmo assim, nos meses seguintes prosseguiu a campanha de obtenção de donativos, posto que era preciso também equipar as futuras instalações.

O ápice de todo aquele esforço ocorreu no dia 22 de setembro de 1941, quando o Abrigo do Cristo Redentor foi inaugurado, três dias depois de celebrada a sua primeira missa, pelo bispo dom José Pereira Alves. A figura mais esperada era a do presidente Getúlio Vargas, que não pôde comparecer devido a dificuldades de agenda, mas se fez representar por sua esposa, dona Darcy Sarmanho Vargas, presentes o interventor federal Ernâni do Amaral Peixoto e sua mulher, dona Alzira Vargas do Amaral Peixoto, a maior entusiasta da obra social e por isso mesmo declarada sua madrinha.

Recebida a comitiva oficial pelo prefeito Nelson Correia Monteiro, a banda de música do Patronato de Menores, pelotões de escoteiros, estudantes e centenas de populares, foram as instalações bentas pelo arcebispo dom José Pereira Alves e o bispo dom João da Mata Amaral celebrou missa votiva. Em seguida, no refeitório feminino, Darcy Vargas, Alzira Vargas do Amaral Peixoto e seu marido serviram os primeiros pratos de sopa aos abrigados e o primeiro abrigado (senhor José Augusto Trindade) entregou um crucifixo à primeira dama estadual. Seguiram-se os discursos do presidente Melchíades Picanço, do prefeito Nelson Correia Monteiro e do principal articulador da obra, Levy Miranda, cujas expressões, relatadas em suas memórias, vale a pena reproduzir:

“O Abrigo é obra coletiva, humana e cristã. Aqui, a caridade é silenciosa e estas velhinhas, que desde hoje estão sob o seu teto, toda noite erguerão as suas preces em favor daqueles que as beneficiaram.

“Trouxe para este asilo um velhinho [sr. José Augusto Trindade, não nominado], natural de Sergipe, com 110 anos [sic], que até ontem dormia na rua, na porta do cemitério. Tinha fome e tinha sede. E esta manhã, ao acordar, ele me disse, com os olhos cheios de lágrimas, que nunca pensara encontrar no fim de sua vida tanto carinho e tanta ternura. Pedi-lhe então que fizesse a entrega, à esposa do interventor Amaral Peixoto, de um Cristo, símbolo desta casa, de uma imagem de Cristo que todos nós amamos e servimos, deste mesmo Cristo que, de norte a sul, ampara e olha por este Brasil, deste mesmo Cristo que vem inspirando a obra humanitária do presidente Getúlio Vargas, da senhora Darcy Vargas e do casal Amaral Peixoto. Este Cristo, hoje, mais do que nunca, nos abençoa.”

O iluminado deixou seu rastro de luz em São Gonçalo.

 

Fontes: Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, de 1938 a 1942.

            Diário de Notícias, Jornal do Brasil, O Jornal e Correio da manhã, 23-09-1941.

            O Fluminense, de 1938 a 1942.

            Jornal do Commercio, 04 e 05-12-1939, e 23-09-1941.

            Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas.

            Diário de Getúlio Vargas, volumes I e II, de Celina Vargas do Amaral Peixoto e Leda Soares.

            Levy Miranda, o Apóstolo do Serviço Social no Brasil, de Jayme Pondé.

 

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