Duzentos anos de Maçonaria

 

São Gonçalo deveria ter comemorado (mas não o fez) os duzentos anos da presença maçônica em seu território no ano de 2012. Foi em 1812, em dia e mês não esclarecidos, que aqui teria sido criada a primeira loja maçônica da antiga Província do Rio de Janeiro (na época, vinculada à Corte, subordinação da qual só se viu livre em 1835, com Niterói tornando-se sua capital).

Chamava-se Distintiva e para sua criação veio especialmente de Pernambuco o líder maçônico José Mariano de Albuquerque Cavalcanti (Santana de Acaraú, CE, 20-05-1772/Magé, RJ, 20-08-1844), que se tornou um dos dirigentes, juntamente com Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (Santos, SP, 01-11-1773/Santos, SP, 05-12-1845), irmão do futuro Patriarca da Independência José Bonifácio (Santos, SP, 13-06-1763/Niterói, RJ, 06-04-1838), e o padre Belchior Pinheiro de Oliveira (Diamantina, MG,1775/Pitangui, MG,1856). Antônio Carlos já aqui estava, homiziado, porque era ouvidor em São Paulo, desceu a Santos, sua terra natal, foi acusado de matar o comerciante José Joaquim da Cunha, em 11 de agosto de 1812, e fugiu para terras gonçalenses, segundo escreveu o historiador Alberto de Souza.

A Distintiva tinha liturgia própria e seu propósito era nitidamente republicano. Empolgados com a pregação da emancipação nacional, os maçons começaram a arregimentar seguidores, mas o seu ardor cívico foi interrompido por uma traição. O secretário da Loja Maçônica, padre Belchior, foi surpreendido por uma pessoa de sua intimidade que, na Corte, denunciou a Distintiva ao desembargador Paulo Fernandes Vianna, então intendente geral de polícia.

Ao ser informado sobre a denúncia, padre Belchior jogou na Baía de Guanabara os papéis, livros, selos, timbres e alfaias da Loja, evitando que sobre seus membros recaíssem as perseguições comuns na época. Tudo o que dela se sabe hoje é resultado da tradição oral, passada de geração a geração pelos maçons. Assim, o emblema em seu selo era um índio vendado e agrilhoado (representando o Brasil) e um gênio (o da Liberdade) em ação de desvendá-lo e desagrilhoá-lo. E o descarte dos documentos teria sido junto à Ilha dos Ratos (atual Ilha Fiscal).

Apesar da forte repressão que se seguiu, os maçons continuaram a atuar em São Gonçalo. No dia 24 de junho de 1822, lá estavam eles reunidos no Porto do Méier, em Niterói, onde hoje se localiza o acesso à Ponte Costa e Silva, para empossar a primeira administração do Grande Oriente do Brasil, que havia sido eleita no mesmo local em 28 de maio anterior. O Grão Mestre era José Bonifácio (Santos, SP,1763/ Niterói, RJ,1838) e o Grão Mestre Adjunto, marechal Joaquim de Oliveira Álvares (Ilha da Madeira, Portugal,1776/Paris, França, 1835). O jornalista Joaquim Gonçalves Ledo (Rio de Janeiro, RJ, 1771/Cachoeiras de Macacu, RJ, 1847) foi o Primeiro Grande Vigilante e o padre mestre Januário da Cunha Barbosa (Rio de Janeiro, RJ,1780/Rio de Janeiro, RJ, 1846), o Grande Orador. Finalmente, o coronel Luiz Pereira da Nóbrega [de Souza] Coutinho (Angra dos Reis, RJ, 1778/Rio de Janeiro, RJ, 1826) era o promotor fiscal. Entre os presentes, Belarmino Ricardo de Siqueira [Quintanilha], futuro barão de São Gonçalo.

Deles, três tiveram íntima relação com São Gonçalo. Um foi Gonçalves Ledo, que participara ativamente da preparação da proclamação da Independência do Brasil, mas, acusado de participar de conspiração republicana, juntamente com José Clemente e Pereira da Nóbrega, teve a vida ameaçada e, em 30 de outubro de 1822, refugiou-se na fazenda de Belarmino Ricardo de Siqueira e daqui saiu, protegido pelo cônsul sueco Lourenço Westin, para exilar-se por um ano em Buenos Aires, Argentina.

Outro foi o próprio Belarmino Ricardo de Siqueira (Saquarema, RJ, 1791/Niterói, RJ, 1873), que viria a ser Barão de São Gonçalo, comandante superior da Guarda Nacional, provedor do Asilo Santa Leopoldina e segundo maior banqueiro do país, depois do Banco do Brasil. Proprietário da Fazenda Engenho Novo do Retiro, em Cordeiros, nela recebeu Dom Pedro II e a família imperial várias vezes.  

O terceiro foi Pereira da Nóbrega. Proprietário de uma fazenda em Neves (vendida por sua viúva em 1839), que fazia divisa com a propriedade de José da Silva Brandão (construtor da Ponte do Brandão, hoje chamada de Brandoas), comandou o batalhão aqui estacionado para garantir a expulsão das tropas portuguesas, logo após a proclamação da Independência do Brasil, e deixou descendência, da qual fazia parte sua neta, Maria José, casada em 1880 na Igreja Matriz de São Gonçalo com Antônio José de Castro Guimarães. Nóbrega foi o primeiro presidente da Câmara dos Deputados, ministro da Guerra de Dom Pedro I (primeiro brasileiro nato a ocupar o cargo) e foi deportado para a França, depois de posto a ferros na Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, ao ser acusado de conspiração contra o trono, juntamente com Gonçalves Ledo, José Clemente Pereira (Portugal, 1787/Rio de Janeiro, RJ, 1854, primeiro prefeito niteroiense, com o cargo de Juiz de Fora) e o padre Belchior.  

A mais concreta manifestação da presença maçônica em São Gonçalo, no princípio do século XX, ainda hoje está presente no casarão de Pachecos, construído pelo farmacêutico-químico Augusto Cezário Diaz André na primeira década de 1900 e por ele transformado em hospital durante a epidemia de gripe espanhola em primeiro de novembro de 1918. Suas paredes ostentam os símbolos da Maçonaria, de que ele foi Grão-Mestre.

Porém, a organização oficial e duradoura daquela sociedade em São Gonçalo só veio a ocorrer em 1903, quando foi criada a Loja Evolução. Acusada de rebeldia, foi suspensa em 1907 e só voltou a funcionar em 1912, quando se transferiu para Niterói.

Com aquela transferência, mais uma vez São Gonçalo ficou sem uma representação maçônica local, o que levou um grupo de gonçalenses a se reunir na Rua Feliciano Sodré, 227, em 11 de outubro de 1925 , ocasião em que Antônio Antunes de Almeida, Abílio José de Mattos e Abel Cabral foram eleitos presidente, secretário e tesoureiro de uma comissão provisória, do que resultou a fundação da Loja Maçônica Cruzeiro Fluminense em 25 de novembro de 1925, que funcionou em sede provisória na chácara na Rua Feliciano Sodré, 12 (hoje sede da Instituição Cristã Amor ao Próximo), até a construção de seu templo na Rua Lourenço Abrantes, 100.

Sua primeira diretoria estava assim composta: Venerável, Antônio Antunes de Almeida; 1º e 2º vigilantes, coronel José Carlos da Costa Velho e Belarmino de Mattos; secretário, Abílio José de Mattos; tesoureiro, Alfredo Gomes Mourão; chanceler, Abel Cabral; mestre de cerimônias, Guinaldo Santos Pinheiro; 1º e 2º diáconos, Tiago da Silva Cardoso e Antônio de Almeida Júnior; hospitaleiro, Antônio Maia; cobrador, Portolino Adelantino Saltino; 1º e 2º expertos, Sebastião de Araújo Lessa e Alfredo da Costa Cordeiro; comissão central, Antônio Maia, Jonas Cordeiro e coronel José Carlos da Costa Velho; comissão de frente, Alfredo Cabral, Belarmino de Mattos e Tiago da Silva Cardoso; e comissão de beneficência, Guinaldo Santos Pinheiro, Alfredo Gomes Mourão e Antônio Maia.

A Cruzeiro Fluminense foi regularizada pelo Grande Oriente do Brasil em 17 de abril de 1926 e, em oito de junho de 1926, concedeu seu primeiro título de presidente honorário ao Sr. João Pereira Gomes.

Depois dela, vieram as Lojas Nova Estrela do Oriente (25/12/1950), Monte Ararat (criada em Niterói em 1897, “adormecida” em 1915 e restaurada em São Gonçalo em 04/08/1961), Fênix Gonçalense (17/07/1974), Evolução Gonçalense (04/04/1978), Virtude e Razão (27/03/1982) e Evolução de Alcântara (16/12/2005).

 

Fontes: Emmanuel de Macedo Soares, jornalista e pesquisador de história.

               Relatório da Diretoria Estadual de Obras Públicas, 05-02-1877, p. 16.

               Arquivo Histórico do Exército.

                 Mensagem Maçônica Comemorativa ao Centenário da Instalação da Villa Real da Praia Grande, divulgada em 11-08-1919.

               Duas atas iniciais da Loja Maçônica Cruzeiro Fluminense.

                Werhs, Carlos, “Niterói, Cidade Sorriso”, p. 293, Gráfica Vida Doméstica, Rio de Janeiro, RJ, 1984.

               Casadei, Talita de Oliveira, “A Imperial Cidade de Nictheroy”, p. 87, 88, 259 e 260, Serviços Gráficos Ímpar, 1998.

               Souza, Alberto de, “Os Andradas”, p. 465, 466 e 467, Tipografia Piratininga, São Paulo, SP, 1922.  

               O Fluminense, 16-08-1919, p. 1; 17-04-1926, p. 1; e 08-06-1926, p. 2, Biblioteca Nacional.

               Altino da Silva Diaz André, comerciante.   

1 comentário em “Duzentos anos de Maçonaria”

  1. Frederico G. H. BEhm

    Caro amigo JORGE NUNES, é com satisfação que li e reli o texto ora publicado e aprendi mais um pouco sobre a terra que me adotou aos 16 anos e dela muito me orgulho. Aqui aportei a 59 anos e finquei raízes. PARABENS JORNALISTA E ESCRITOR JORGE NUNES.

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