Quando foi proclamada a República, em 15 de novembro de 1889, o povo brasileiro foi pego de surpresa, dizem os relatos da época, pois ninguém cria no fim do Império, apesar de toda a movimentação republicana nos anos antecedentes. No Rio, onde se dera o evento, a população ficou absolutamente indiferente e os poucos que acompanharam o episódio não sabiam exatamente do que se tratava (pois só seria esclarecido 24 horas depois), chegando a supor tratar-se de apenas mais um desfile de tropas militares. Dá para imaginar, então, a reação ainda mais fria em São Gonçalo e em Cordeiros, as duas freguesias que, juntamente com Itaipu, viriam a constituir o território de nosso Município menos de um ano depois.
É possível compreender tal reação, se considerarmos que a freguesia de São Gonçalo estava sob o domínio político conservador e monarquista do cônego João Ferreira Goulart e, por ser muito próxima de Niterói, nossos republicanos eram mais ativos lá que aqui; e se considerarmos, também, que a freguesia de Cordeiros ainda vivia o impacto do fim da escravatura, mas era marcadamente monarquista.
Tanto assim foi que o publicista Alberto de Seixas Martins Torres, futuro presidente (governador) do estado, para fundar aqui o Clube Republicano 14 de Julho, em sete de setembro de 1888, preferiu fazê-lo em Cordeiros, onde deveria supor que a reação à libertação dos escravos ensejaria maior adesão à tese republicana. Deu-se mal porque a freqüência foi diminuta e o máximo que conseguiu foi fazer de um dos locais, Carr Ribeiro, seu sócio, juntamente com Manoel Gomes Moreira, no lançamento, no ano seguinte, do segundo jornal republicano da província do Rio de Janeiro, chamado “O Povo”. O primeiro chamara-se “O Progressista” e fora lançado pelo próprio Manoel Moreira quando estava em São João da Barra, no Norte Fluminense, o que levou as autoridades provinciais a removê-lo para São Gonçalo, fazendo-o aqui coletor de rendas da Província, o que de pouco adiantou para amainar sua fé republicana. É claro que naquela reunião em Cordeiros estavam várias pessoas, como o capitão da Guarda Nacional Antônio Joaquim Correia de Azeredo Coutinho, o professor Joaquim de Assis Silva Ribeiro, o fazendeiro José Manoel de Souza e Silva, João Domingues e o tenente José do Patrocínio Freitas, mas eram poucos. Faltou uma importante figura, o gonçalense Hermogênio Pereira da Silva, com ausência justificada, pois estava lutando pelo advento da República em Petrópolis.
Um dos poucos republicanos da primeira hora foi José de Moraes e Silva, poeta destacado, fazendeiro em Neves e vereador à Câmara Municipal de Niterói pela freguesia de São Gonçalo. Iniciado no monarquismo, tornou-se liberal e, depois, republicano, o que o levou a ser um dos oradores na comemoração realizada pelo Congresso Literário Guarany, seis dias após a proclamação da República. Na plateia, um gonçalense adotivo importante, o empresário Paulo José Leroux.
Com a posse do governador Francisco Portela no novo Estado do Rio de Janeiro, os republicanos gonçalenses tiveram seu primeiro alento com a construção de ponte sobre o Rio Maribondo, pedida por Paulo Leroux e pelo Clube Republicano, e o segundo com a nomeação do professor Joaquim de Assis Silva Ribeiro para a escola masculina de São Gonçalo. Porém, ficou só nisso. Não havia como ignorar a força dos monarquistas na cidade e, por isso, ao serem criadas as comissões censitárias em todo o estado, lá estavam os republicanos José de Moraes e Silva e Paulo Leroux ao lado do monarquista cônego Goulart, em São Gonçalo, e o republicano Pancrácio Frederico Carr Ribeiro e os monarquistas comendador José Joaquim Ferreira de Alvarenga e Benedito de Moura Ribeiro em Cordeiros.
Quando foram compostas as primeiras mesas eleitorais dos ainda distritos de Niterói, em agosto de 1890, isto é, menos de um ano depois de implantado o novo regime, o Clube Republicano reagiu, afirmando que nelas estavam sete vigaristas, quatro adesistas, apenas três republicanos históricos e um que sempre ficou em cima do muro. A reação foi inútil e começou a adesão em massa à República, fato nada novo e ainda hoje atual, bem representado no refrão criado pelos mineiros, profundos conhecedores da alma brasileira: água de morro abaixo, fogo de morro acima e diário oficial, não há quem resista.
A esta altura dos acontecimentos, o Clube Republicano 14 de Julho já começava a claudicar e, em 1894, encerrou suas atividades, fazendo com que novo grupo quisesse recriar uma agremiação do mesmo gênero, mas sem sucesso. Preferiu-se a via partidária e houve adesão em massa ao Partido Republicano Fluminense. Por questões eleitorais locais, quem a ele não aderiu filiou-se ao Partido Republicano Conservador, ou seja, trocou-se seis por meia dúzia. Quando o PRF fez sua primeira convenção, em Petrópolis, em 1895, lá representava São Gonçalo o histórico José de Moraes e Silva, mas quatro anos depois quem fazia a representação eram três adesistas, no caso Ernesto Francisco Ribeiro, Luiz Joaquim dos Santos e José Francisco de Paiva, enquanto ficavam como espectadores os históricos Alfredo Lopes Martins, Coleto José Leite, Armindo Lessa e Eugênio Pereira de Moraes Júnior.
Dessa transmutação não escapou sequer o cônego João Ferreira Goulart: conservador, homem de confiança da cúpula monárquica, preso em 1894 sob a falsa acusação de participar da Revolta da Armada e vereador cassado pela Câmara Municipal, em 1900 ele deu a volta por cima, filiou-se ao PRF e elegeu-se deputado estadual, no exercício de cujo mandato faleceu três anos depois.
Consolidada a República, é evidente que muitas outras foram as adesões e, em 26 de junho de 1921, era criado um novo Centro Republicano em São Gonçalo, mas também ele não sobreviveu por muito tempo. Enfim, das lutas pré-golpe de 1889 poucos foram os gonçalenses que participaram. Como no Rio, aqui também a população viu a instalação do novo regime com indiferença.
Fontes: Atas de convenções do Partido Republicano Fluminense, Biblioteca Nacional.
O Fluminense, 09-09-1888, p. 2; 24-11-1889, p. 1; 06-07-1890, p. 2; 05-10-1894, p. 1; 26-06-1892, p. 2; 17-10-1897, p. 2; 27-12-1900, p. 1; e 10-05-1932, p. 1.
Gazeta de Petrópolis, 13-02-1895, p. 1; 05-12-1896, p. 1; e 20-07, p. 1, e 27-07-1899, p. 1.
Gazeta de Notícias, 01-01-1890, p. 3; 26-03-1890, p. 3; e 16-03-1895, p. 1.
Jornal do Comércio, 14-05-1900, p. 3.
A Gazeta, de São Gonçalo, 01-09-1921, p. 4.
A Noite, 20-09-1926, p. 3.
Fico muito feliz que em futuras Terras Gonçalenses, nosso povo se mostrou indiferente, como não poderia deixar de ser, ao golpe de 15 de Novembro. Viva a Monarquia, viva Dom Pedro II!
Viva!